Derretimento da Groenlândia não é capaz de induzir o desligamento da corrente oceânica que leva calor ao hemisfério Norte, dizem cientistas; mas é questão de tempo até que isso ocorra.
Uma boa notícia no front climático, para variar: um grupo de cientistas afirmou nesta segunda-feira que ainda não é possível detectar sinais da mão do homem num dos efeitos potencialmente mais catastróficos do aquecimento global – o resfriamento global.
Os pesquisadores dizem que o degelo da Groenlândia das últimas décadas ainda não foi capaz de lançar água doce o bastante sobre o Atlântico Norte para enfraquecer um sistema de correntes marinhas responsável por transportar calor dos trópicos para a Europa. No entanto, alertam que isso é uma questão de tempo: a persistirem as taxas atuais de degelo, antes do meio do século essa circulação oceânica poderá ser impactada.
O desligamento da chamada esteira oceânica tem tirado o sono dos climatologistas desde a década de 1980, quando foi teorizado pelo americano Wallace Broecker, da Universidade Columbia. Segundo essa hipótese, um derretimento acelerado das geleiras do Ártico poderia diluir as águas do Atlântico Norte, reduzindo sua salinidade.
Hoje, a corrente quente e altamente salina que vem do equador afunda no oceano na altura do Canadá devido à diferença de densidade causada pelo sal e retorna aos trópicos na forma de uma corrente submarina fria. No caminho, dissipa calor o suficiente na atmosfera para permitir que a Europa tenha temperaturas amenas, apesar da latitude elevada.
No passado, porém, sabe-se que pulsos súbitos de água doce causaram o desligamento dessa corrente, mergulhando o hemisfério Norte em pequenas eras glaciais durante séculos.
Essa hipótese serviu de argumento para o filme-catástrofe O Dia Depois de Amanhã (2004), no qual o desligamento da esteira oceânica mata bilhões de pessoas de frio e obriga os moradores dos EUA a se refugiar no México (uma cena à qual mais de um latino-americano deve ter assistido com alguma Schadenfreude). Nos últimos anos, alguns cientistas têm teorizado que um processo parecido possa estar em curso.
Em 2015, por exemplo, um grupo liderado por Stefan Rahmstorf, do Instituto de Pesquisa de Impactos Climáticos de Potsdam (Alemanha), publicou um estudo apontando que, de 1970 em diante, a esteira oceânica começou a enfraquecer e, neste século, desde 2004, está em sua menor potência dos últimos mil anos. Um indício de que a culpa poderia estar no degelo da Groenlândia seria uma mancha de água fria a sul da ilha, praticamente o único lugar da Terra onde as temperaturas médias têm batido recordes de resfriamento nos últimos anos. A região é bem o local para onde circula a água resultante do derretimento do manto de gelo groenlandês.
Mas talvez não seja esse o caso, afirma o também alemão Claus Böning, do Centro Helmholtz de Pesquisa Oceanográfica, em Kiel. Num estudo publicado nesta segunda-feira na edição on-line da revista Nature Geoscience, ele e mais quatro colegas da Alemanha e do Reino Unido postulam que simplesmente não há água de degelo suficiente para produzir um declínio perceptível na força da esteira oceânica.
Os pesquisadores usaram um modelo climático que simula em computador o comportamento do degelo e o acúmulo de água doce da Groenlândia no mar do Labrador, onde a corrente quente afunda em sua “volta olímpica” rumo aos trópicos. Para alimentar o modelo, eles usaram um registro de temperaturas do ar no Ártico desde a década de 1940, os registros históricos de degelo. Também lançaram mão de um experimento curioso – no qual despejaram vários quilos de corante rosa sobre geleiras em derretimento na Groenlândia para ver aonde ia parar a água do derretimento.
O modelo também reconstituiu um episódio natural de redução da salinidade da corrente que aconteceu em 1970, que causou um enfraquecimento da esteira oceânica. Pelas contas de Böning e colegas, naquela época o aporte de água doce (vinda principalmente do gelo marinho) foi de 1.700 quilômetros cúbicos, o equivalente a 89 vezes o volume do lago de Itaipu. Hoje, a água aportada pelo degelo groenlandês equivale a metade desse volume.
Dois outros estudos publicados na mesma edição da Nature Geoscience sugerem que o enfraquecimento da esteira oceânica é periódico e natural – ocorre mais ou menos a cada década, mas só recentemente é que os cientistas juntaram um volume de medições grande o suficiente para perceber isso. A redução observada a partir de 2004 na força da corrente de circulação não seria extraordinária, e sim parte dessa oscilação decadal.
No entanto, Böning diz que não há motivo para respirarmos aliviados. Mantido o atual ritmo de degelo – a tendência, na verdade, é que ele acelere, à medida que o planeta esquenta –, já em 2040 haverá água doce suficiente para impactar a esteira oceânica e causar problemas no hemisfério Norte. Pior ainda, dizem os cientistas, a pancada tende a vir sem aviso prévio.
“O aumento na quantidade de água doce nas águas de superfície do Atlântico Norte subpolar, que está em curso e talvez em aceleração, pode começar a afetar a formação de águas profundas (…) antes que sinais claros de tendências nas propriedades hidrográficas sejam identificáveis”, escrevem os cientistas.
Fonte: Claudio Angelo - Observatório do Clima.