Braungart defende que, em lugar de gerar menos danos ambientais, devemos trazer benefícios para a natureza.
O químico alemão Michael Braungart, professor da Universidade Técnica de Munique, acha perda de tempo pensar sobre o lixo que produzimos. Mais inteligente, defende, é não produzir. Braungart e o colega William McDonough ficaram famosos na década de 1980 ao criticar a maneira como as sociedades fabricam, consomem e descartam bens. Para eles, os objetos que criamos por meio do processo industrial precisam ser planejados de modo a não gerar resíduos. Uma vez descartados, seus elementos devem retornar à cadeia produtiva, ou se degradar naturalmente sem liberar substancias tóxicas. Essa forma de pensar recebeu o nome de“design do berço ao berço”, e lançou as bases teóricas da economia circular. Nela, os resíduos gerados por uma indústria são transformados em matéria-prima para outras.
O tempo colaborou com a disseminação das ideias de Braungart. Elas conquistaram o apreço de nomes de peso, como o cineasta Steven Spilberg e o ex-presidente americano Bill Clinton. E Braungart se tornou um pensador mais radical, capaz de criticar premissas básicas do ambientalismo: “Sustentabilidade é um conceito ultrapassado”, diz ele nesta entrevista a ÉPOCA. Segundo ele, falta ambição à ideia de reduzir o impacto das atividades humanas. Em lugar de poluir menos e poupar recursos naturais – ideias centrais do conceito de sustentabilidade –, os artigos que produzimos deveriam fazer bem ao meio ambiente, e retornar à biosfera na forma de nutrientes. “Nós investimos muito dinheiro, ao longo dos anos, tentando ser menos danosos para o meio ambiente. Agora, precisamos investir dinheiro em ser realmente bons”, afirma. Em 1987, Braungart criou um instituto – o Epea – que pesquisa soluções técnicas e presta consultoria para que empresas de diversos setores passem a produzir segundo esses princípios. Segundo ele, não adianta cobrar que a indústrias e os consumidores protejam o meio-ambiente por motivos éticos. É preciso tornar essa ideia atraente – e lucrativa.
ÉPOCA – Há anos, ambientalistas do mundo inteiro dizem que devemos reduzir o consumo de recursos não renováveis, reciclar nosso lixo, ser mais sustentáveis. O senhor defende que eles estão equivocados. Por quê?
Michael Braungart – Eu acho que o conceito tradicional de sustentabilidade foi ótimo. Quando é inverno e noite na Suécia, os suecos precisam encontrar uma maneira de se aquecer, para sobreviver ao tempo frio. A ideia de sustentabilidade nos permitiu isso. Ajudou-nos a pensar soluções importantes para necessidades urgentes. Mas não é assim que a natureza funciona. A natureza não pensa em termos de minimizar danos ou adotar soluções provisórias. Os defensores da sustentabilidade tradicional afirmam que nós devemos diminuir nossa pegada ambiental. Que precisamos controlar a intensidade com que usamos os recursos naturais. Defendo uma ideia diferente: em lugar de não fazer mal, por que não fazemos bem ao meio ambiente?
ÉPOCA – O senhor já chegou a dizer que o conceito de sustentabilidade é entediante.
Braungart – Isso é verdade. Primeiro porque inovação de verdade não é algo sustentável. Minha mãe era a mais velha em uma família de 11 irmãos. Por anos, ela lavou a roupa suja da família inteira em um riacho perto de casa. Quando os pais dela finalmente conseguiram comprar uma máquina de lavar, ela nunca mais voltou ao riacho. Inovação de verdade muda a forma como vivemos e gera impactos. E o conceito de sustentabilidade não considera isso da forma como deveria. O conceito de sustentabilidade, na verdade, é bastante ruim. Defende que devemos atender às necessidades das gerações presentes sem comprometer os recursos que serão usados pelas gerações futuras. Isso é triste. O desejo de um pai jamais será “não comprometer o futuro” de seus filhos. Os pais querem ser benéficos para o futuro de seus filhos. Sustentabilidade foi um conceito interessante para entendermos os problemas com os quais temos de lidar. Mas é um conceito ultrapassado. Nós precisamos começar a pensar em qual deverá ser a cara do futuro. E a ideia de sustentabilidade não nos permite isso. Ela nos ensina a reduzir os males que causamos. E, claro, isso é entediante. Se eu perguntar como é seu relacionamento com seu namorado ou namorada, qual será sua resposta? “Ah, é um relacionamento sustentável.” Se for essa a resposta, eu vou sentir pena de vocês.
ÉPOCA – Qual a alternativa à ideia de sustentabilidade?
Braungart – Todos os bens que consumimos, os produtos que empregamos, devem ser planejados de modo que, ao se degradar, se tornem nutrientes. Nossos bens precisam ser reabsorvidos pela biosfera. É essa a ideia do design do berço ao berço. Por que não criamos edifícios que funcionem como árvores, capazes de oferecer suporte à vida? Edifícios que limpem o ar, que limpem a água, que causem efeitos positivos, em lugar de simplesmente ser neutros na emissão de carbono. As cidades querem neutralizar suas emissões de carbono, mas árvore nenhuma faz isso. Queremos ser menos eficientes que uma árvore? Uma árvore traz benefícios ao meio ambiente, ocupa uma função no ecossistema. Ela não é “menos ruim”. Meu raciocínio é diferente do ambientalismo tradicional porque enxergo os humanos como uma oportunidade para o planeta. E não como um fardo.
ÉPOCA – E nós já possuímos conhecimento e tecnologia suficientes para funcionar como oportunidades para o planeta? Para construir edifícios que funcionem como árvores, por exemplo?
Braungart – Temos. Mas nós ainda não construímos edifícios perfeitos. Em cada edifício que minha equipe e eu ajudamos a projetar, incluímos três ou cinco elementos que obedeçam aos princípios do design do berço ao berço. Porque não queremos adiar a execução desses projetos e queremos que as pessoas experimentem os benefícios que essas tecnologias já podem oferecer. O grande problema é que ainda há pouca variedade de materiais desse gênero no mercado. Você poderia construir uma casa, hoje, perfeitamente adaptada a esses princípios. Mas ela seria, muito provavelmente, chata. Seria feia. E não é isso que queremos. Criamos, na Universidade Técnica de Munique, um grupo em que arquitetos, engenheiros e construtores podem compartilhar os novos materiais que eles desenvolvem. A ideia é que essas soluções sejam compartilhadas e adotadas mais frequentemente.
ÉPOCA – Isso vale para todas as indústrias, para todos os setores econômicos?
Braungart – Esses princípios valem para todas as áreas. Para todos os bens que, quando consumidos e descartados, passam por mudanças químicas, físicas ou biológicas. Comida, sapatos, detergentes. Todas essas coisas precisam ser projetadas de modo a ser boas para a biosfera. Os materiais ainda não são pensados com esse objetivo. Nós investimos muito dinheiro, ao longo dos anos, tentando ser menos danosos para o meio ambiente. Agora, precisamos investir dinheiro em ser realmente bons.
ÉPOCA – As empresas estão interessadas em produzir de acordo com os princípios do design do berço ao berço?
Braungart – Eu não esperava que a adoção desses princípios fosse rápida, que ocorresse ainda durante meu tempo de vida. Mudanças de mentalidade levam tempo para acontecer. Mas há um fator acelerando esse processo. As gerações mais jovens, daquelas pessoas com algo entre 18 e 23 anos – e que os críticos chamam de “geração dos selfies” –, se preocupam com a imagem que suas escolhas comunicam. Elas se preocupam com aquilo que consomem. Para essas pessoas, dinheiro não é tão importante quanto reconhecimento. E elas querem ter orgulho das coisas que consomem.
ÉPOCA – Se os consumidores estão dispostos a valorizar essas inovações, o que falta para as empresas fazer o mesmo?
Braungart – Precisamos oferecer alternativas tecnológicas belas e eficientes, que façam bem aos ecossistemas, para que as empresas e os consumidores se interessem por elas. Não adianta pedir que as pessoas protejam o meio ambiente por questões éticas. Quando você constrói uma sociedade ao redor de conceitos éticos, sempre surgem desvios. As pessoas que querem ser éticas, quando postas sob pressão, quando querem ganhar dinheiro, acabam traindo seus ideais. O mesmo vale para o setor ambiental. Por isso, precisamos criar produtos que tragam benefícios para a biosfera e que sejam, ao mesmo tempo, lucrativos para as empresas.
ÉPOCA – Há empresas que fazem isso de maneira bem-sucedida?
Braungart – Há empresas que fabricam carpetes que limpam o ar. É o caso de uma companhia chamada Desso. Ela é extremamente lucrativa e consegue isso ao vender carpetes que absorvem toxinas e poeira.
ÉPOCA – Como o senhor trabalha para promover essa ideia?
Braungart – Minha principal ocupação é como professor. Dou aulas em uma escola de administração, focada em gestão. Para os princípios que eu defendo serem aplicados, é preciso que eles façam sentido do ponto de vista dos negócios. Do contrário, serão somente ideias bonitas, mas nunca aplicadas. Nesse aspecto, meu trabalho tem sido bem-sucedido. De outro lado, além de convencer as empresas de que essas estratégias fazem sentido, ainda temos de lidar com uma série de questões técnicas. Por exemplo, ainda usamos muito PVC nas construções. É preciso descobrir substitutos viáveis e que não causem danos aos ecossistemas. Por isso, fundei a Epea em 1987. Fiz isso porque entendi que era importante protestarmos em favor do meio ambiente, mas que também era importante encontrar alternativas tecnológicas para resolver os problemas. Descobrimos, por exemplo, que é possível usar oxigênio em lugar de cloro para branquear o papel. Precisamos jogar nesses dois campos. Fazer pesquisa na universidade e também nos assegurarmos de que as empresas têm os recursos para fazer as mudanças técnicas necessárias.
ÉPOCA – Os governos podem ajudar nesse processo?
Braungart – Podem. Os governos podem, por exemplo, fazer compras que estimulem a produção desses artigos. Se o governo brasileiro disser que, até 2020, não vai comprar produtos feitos de papel não compostável, ele vai causar uma reestruturação completa da indústria.
Fonte: Rafael Ciscati – Época.