10/04/2017 Sistema da Epagri vira modelo mundial em plataforma da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

Febre amarela provoca uma das piores mortandades de primatas da Mata Atlântica

O mico-leão-dourado, exemplo de espécie ameaçada pelo surto de febre amarela. Foto: Stuart Pimm, Duke University/AP.

Apesar de ocorrer ciclicamente no Brasil, geralmente nas estações mais quentes, a febre amarela avançou de forma nunca antes vista. Sua chegada ao litoral do país é algo considerado inédito e que pode acarretar perdas irreparáveis. Em contato com o vírus, os bugios (Alouatta guariba) morrem em massa, mas não são os únicos. Espécies como o sauá (Callicebus personatus), os saguis do gênero Callithrix e os macacos-pregos (Supajus sp) também foram afetadas. O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), maior primata das Américas e criticamente em perigo de extinção, também corre riscos. A chegada da febre amarela à região de Casimiro de Abreu, no Rio de Janeiro, acende um novo sinal de alerta. O local é o último refúgio do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), que sofreu com o desmatamento e o tráfico de animais, e agora enfrenta um novo inimigo invisível e mortal.

 

>> A febre amarela pode chegar às cidades?

 

Apesar de a doença que aflige homens e primatas ser a mesma, há dois tipos de ciclos: o silvestre e o urbano. A diferença está no transmissor: o ciclo silvestre é transmitido por dois tipos de mosquito (dos gêneros Haemagogus e Sabethes) restritos à área de florestas. O ciclo urbano é causado pelo velho conhecido Aedes aegypti, transmissor também de viroses como dengue, chikungunya e zika. O ciclo urbano pode se estabelecer caso uma pessoa não imunizada se contamine numa área de floresta e depois seja picada na cidade pelo Aedes aegypti e este vier a se infectar. Os macacos, evidentemente, são apenas vítimas da doença, e não seus transmissores.

 

O desenvolvimento da doença é facilitado pela redução das áreas silvestres e consequente avanço das cidades. Quando adicionamos outros fatores, como mudança climática, por exemplo, a equação se torna ainda mais complicada. Desde a década de 1980, a Organização Mundial da Saúde registra aumento no número de casos de febre amarela e acredita-se que o crescimento da população urbana, com maior mobilidade global, e as alterações no clima do planeta sejam possíveis explicações para o fato. Da mesma forma que a doença que aflige homens e macacos é a mesma, as causas e suas consequências também não podem ser dissociadas.

 

>> Uma chance de salvar os muriquis, o maior macaco das Américas

 

O alerta e o controle do surto atual foram extremamente tardios e antiquados para todos os envolvidos. Houve descaso com relação às primeiras mortes de macacos reportadas em Montes Claros, Minas Gerais, e somente quando centenas deles estavam morrendo no leste de Minas Gerais é que se decidiu tomar alguma atitude. O Espírito Santo se alarmou com a situação do estado vizinho e adiantou a vacinação em humanos. No Rio de Janeiro, houve um bloqueio vacinal nas fronteiras do estado, o que simplesmente não funciona. Além de não impedir o surto silvestre, já que macacos não participam da vacinação, também não resolve o surto urbano, pois pessoas vão e vêm de diferentes áreas a todo momento. É impossível lidar com situações inéditas como essa utilizando métodos que já eram duvidosos há quase um século.

 

É preciso ver o surto com um olhar ecológico, além da preocupação com a saúde humana. Para controlar a febre amarela, é preciso, necessariamente, preservar os hábitats e suas espécies nativas. Desflorestar e matar macacos não impede a circulação do vírus da doença e pode até piorar a situação.

 

* Sérgio Lucena Mendes é biólogo, professor de zoologia e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza

Fonte: Sérgio Lucena Mendes - ÉPOCA | Blog do Planeta.




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