O PNUD entrevistou Aymeric Jung
Aymeric Jung conta 20 anos de experiência em mercados de capital e engenharia financeira. O interesse por investimentos de impacto levou-o a pesquisar abordagens inovadoras de investimento de forma a financiar economias locais, com foco específico em alimentação, saúde e produção rural.
Antes de se tornar sócio-gerente da Quadia – iniciativa de apoio a empresas que estejam investindo em economia regenerativa e sustentabilidade global –, Jung trabalhou para Lehman Brothers, Crédit Suisse, Crédit Lyonnais, entre outras instituições de peso. Seguem principais trechos da entrevista de Jung ao site global do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Investimentos devem adotar visão de longo prazo e permitir que novas soluções floresçam. Perdemos o significado essencial de investimento, que se tornou volátil e focado no curto prazo, por meio da especulação. Como exemplo, no século 19, investidores privados financiaram a linha ferroviária nos Estados Unidos, em resposta à necessidade por transportes que cruzassem o continente.
Agora, precisamos encarar os grandes desafios de alimentar uma população em franca expansão, a mudança global do clima e migrações em grande escala. Soluções existem, empreendedores reinventam bens e serviços para atender às futuras demandas sociais e ambientais. Apoiar essas soluções é a essência dos investimentos de impacto.
Será cada vez mais difícil para uma empresa não operar de forma sustentável, seja por demanda dos consumidores, seja por imposição de regulamentos. Em um futuro próximo, os negócios deverão ser sustentáveis para que sejam rentáveis; mas sustentabilidade também vem com rentabilidade e com a habilidade de atrair investidores privados. Essas duas noções – sustentabilidade e renda – são fortemente conectadas e logo serão incorporadas em qualquer forma de investimento.
O desenvolvimento de investimentos de impacto provê soluções para a distribuição inadequada da riqueza e, consequentemente, favorece essencialmente a implantação dos ODS em escala global.
Se virmos os números, temos de um lado aproximadamente 70 bilhões de dólares aplicados em investimentos de impacto, incluindo microfinanças. De outro lado, temos 70 trilhões sendo transacionados por corretoras, enquanto o montante necessário para a realização dos ODS é de aproximadamente 3 trilhões de dólares por ano.
Se fôssemos investir entre 3% a 5% dos valores administrados por corretoras em resposta aos grandes desafios do nosso tempo, poderíamos rapidamente alcançar a alocação necessária para o cumprimento da Agenda 2030.
Sem dúvidas, precisamos de profissionais capacitados em investimentos e gestão de riscos propondo canais sólidos para criar a zona de conforto necessária para os investidores. Isso seria alcançado por meio de companhias de investimento, com um poderoso quadro de especialistas de campo que entendam de correntes de valor, como a da produção de comida e da eficiência energética; mas também por meio dos autores de melhor reputação na indústria.
Porém, nossas competências não cobrem todos os setores, e é aí que as parcerias público-privadas entram em ação. As organizações internacionais podem cumprir um papel importante em processos de due dilligence, no aumento do leque de soluções disponíveis e providência de garantias que facilitem o investimento.
O risco está ligado à carteira. Ao diversificar e mirar nas pequenas e médias empresas, mais interessantes, por meio de mecanismos de controle diligente, atenuamos riscos. Não esqueçamos que, ao falhar em medir e integrar sustentabilidade em estratégias de investimento, aumentamos drasticamente o risco de uma carteira e enfraquecemos o retornos futuros em investimentos. O risco também está na recusa em adaptar-se à nova economia circular, que preserva os recursos naturais e respeita as comunidades.
Um aspecto importante relacionado ao risco e ao retorno é o modo como se apresenta a relação entre o investidor e o beneficiário. Por exemplo, é difícil propor a um fundo de pensão um investimento de 5 milhões de euros em uma cooperativa com base no Senegal, que emprega 2.500 produtores locais de arroz.
Porém, se oferecermos uma participação em uma estrutura financeira que concede empréstimos para a cooperativa e recebe, após a venda do arroz, reembolso de capitais mais juros, então o investidor estará mais interessado.
Quanto aos retornos do investimento, estes são similares a taxas típicas de retorno de, em média, 6% a 10% para valores líquidos, e de 3% a 6% para linhas de crédito.
Isso é como o enigma do ovo ou da galinha. Quando os fundos estão disponíveis, temos o canal e vice-versa. Se um investidor nos diz que deseja investir 6 milhões em 6 meses, podemos providenciar recursos adicionais (equipe, pesquisas etc.) que vão além da administração de nossos fluxos, e podemos garantir a nossos investidores que os fundos estão disponíveis. Então, temos os elementos para alcançar os objetivos do investimento.
É errado crer que deveríamos apenas investir em projetos maiores. Estamos apenas falando de atores diferentes. Vamos imaginar o caso de uma startup precisando de 50 mil euros. Investidores individuais, fundações e programas públicos forneceriam os primeiros 50 mil euros para calibrar um bem ou serviço e fazê-lo operacional.
Uma vez que o produto existisse e soubéssemos que ele oferece uma solução vendável, vendas deveriam ser desenvolvidas (o que demandaria capital-trabalho). O essencial é ter políticas públicas ou fundamentos que providenciem capital inicial para a fase de pesquisa e desenvolvimento, quando o produto ou serviço ainda não está pronto para o mercado.
Eu gostaria de encerrar (esta entrevista) com uma frase de George Bernard Shaw: “Você vê as coisas e diz ‘por quê?’ Mas eu sonho com coisas que nunca existiram e digo ‘por que não?’”
Fonte: ONU Brasil.