O Brasil vive um desses momentos de embate em torno dos direitos ambientais. Mas o que estamos vendo é, antes de mais nada, uma guerra de narrativas
O Brasil vive um desses momentos de embate em torno dos direitos ambientais. O governo federal e o Congresso parecem empenhados em desmantelar as salvaguardas que o país construiu para defender nossos recursos naturais. As iniciativas visam reduzir as Unidades de Conservação. São apoiadas por uma coesa base parlamentar ligada aos interesses do agronegócio. Argumentam que o Brasil precisa olhar para quem produz, defender o setor rural, respeitar quem bota a comida no prato do brasileiro e ainda exporta com alta competitividade, contribuindo para uma parte saudável de nosso PIB.
Afinal, os ecologistas querem acabar com a agricultura brasileira?
O que estamos vendo é, antes de mais nada, uma guerra de narrativas. Há duas grandes histórias sendo contadas aos brasileiros. São dois argumentos que lutam para conquistar os corações e mentes de cidadãos, consumidores, decisores. A primeira narrativa é a que embala os esforços para reduzir as Unidades de Conservação, diminuir proteções legais, flexibilizar os licenciamentos ambientais, tornar mais fácil construir e plantar sem negociar contrapartidas aos impactos ecológicos e humanos. A lógica dessa narrativa é que precisamos sempre fazer uma escolha: conservar ou produzir. Deixar a vegetação nativa intocada ou ocupar a terra para fins úteis aos humanos. Um dos argumentos mais usados para justificar essa visão é que todas as sociedades devastaram a natureza para se desenvolver. Que um pouco de destruição ambiental é o preço do progresso. Que os países ricos já fizeram isso e agora não querem que nós, brasileiros, façamos o mesmo. O argumento vai além. É comum dizer que os países ricos – ou pessoas dos países ricos – sustentam ONGs ambientalistas internacionais que defendem a conservação da natureza nos países em desenvolvimento para obstruir o progresso por aqui. Quando se entra nesse dilema, restam poucas opções. Entre a comida no prato e o mico na árvore, que escolha nós temos?
Na verdade, temos a escolha de não entrar nesse falso dilema. E aí entra a segunda narrativa. Ela se baseia num dilema diferente: produzir de forma insustentável ou produzir de forma sustentável. Aí a história fica um pouco mais complexa. É possível produzir das duas formas. Mas da primeira, explorando de forma predatória os recursos naturais, os impactos são grandes e o benefício não dura para sempre. Já uma produção que respeita os limites naturais traz benefícios mais amplos para a sociedade e tende a ser mais duradoura.
Essa é a escolha que os setores mais modernos do país querem que façamos. Essa escolha está cada vez mais cristalina no embate entre o uso da terra e o direito ao desmatamento no Brasil. Pesquisas recentes mostram que a destruição do Cerrado pode afetar o ciclo de chuvas que alimentam a própria agricultura. Estudos e mais estudos mostram que a manutenção da Floresta Amazônica é vital para o equilíbrio climático do planeta. Outros estudos mostram o papel dos cuidados previstos no Código Florestal para evitar a erosão, que acaba com a lavoura. Não são apenas hipóteses. A história da exploração predatória e suicida do Vale do Paraíba, no Sudeste do Brasil, mostra como um ciclo agrícola baseado no desmatamento levou ao esgotamento dos recursos e à ruína dos próprios fazendeiros.
Na Amazônia brasileira, o dilema é ainda mais falso. O motor do desmatamento não é exatamente a vontade de produzir, mas o interesse em se apropriar ilegalmente de terra pública para fins especulativos. O ciclo mais comum na região é uma sequência de espoliação inconsequente do nosso patrimônio. Primeiro, o “empreendedor” contrata uma madeireira que invade uma floresta pública e tira as árvores de valor comercial, amparado por pistoleiros. Em seguida, ele queima o que restou para a produção de carvão. Com o dinheiro da madeira e do carvão, planta capim e coloca alguns bois para justificar uma ocupação de terra e tentar obter alguma documentação de posse de propriedade. Não é uma lógica de uso sustentável da terra.
O que ocorre agora numa das áreas pivôs da crise é emblemático. A Floresta Nacional do Jamanxim no Pará é uma das Unidades de Conservação que a Bancada Ruralista quer reduzir, supostamente em nome da produção. Mas não se trata de uma unidade de preservação da floresta intocada. A Floresta Nacional (Flona) é um tipo de unidade criada especialmente para a exploração de madeira, por concessão a uma empresa privada, que maneja a área e produz de forma sustentável. A briga no Congresso é para retalhar a Flona e entregar parte dela a grileiros que invadiram a terra pública para tirar madeira ilegalmente e carvão, ou até para colocar alguns bois. Isso em prejuízo das empresas privadas que gostariam de explorar madeira legalmente lá. Que tipo de empreendedor queremos incentivar?
Várias empresas madeireiras exploram há décadas porções da Amazônia produzindo de forma manejada, que respeita o ciclo de recuperação da vegetação. Elas dão lucro, exportam, empregam mais gente do que outras atividades, como a pecuária. Uma empresa inovadora em Mato Grosso ajuda pecuaristas a produzir seguindo todos os cuidados ambientais e sociais, com maior retorno financeiro. Há cada vez mais opções e mercado para produtos de alto valor econômico que exploram a floresta em pé, como guaraná, açaí, castanha, óleos naturais para cosméticos. O Pará já é o maior produtor de cacau do país, sob a sombra da floresta.
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Talvez o verdadeiro dilema para o país seja que tipo de desenvolvimento nós queremos. Se aquele baseado na exploração exaustiva dos recursos, como fizemos na destruição das florestas litorâneas até o esgotamento da preciosa madeira vermelha que deu nome ao nosso país. Ou se queremos romper nosso histórico de devastação para construir uma nação rica, desenvolvida, generosa e perene.
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Fonte: Alexandre Mansur - ÉPOCA | Blog do Planeta.