Page 138 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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disso, os passivos ambientais existentes nas áreas acarretam responsabilidade civil propter rem , nos
termos do artigo 2º, parágrafo 2º, do Código Florestal.
Nessa linha de raciocínio, a amarração argumentativa, elaborada com amparo na
interpretação sistemática do direito, norteada axiologicamente pelo direito fundamental ao ambiente
ecologicamente equilibrado e pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que reúne as ideias
de que a licitude da atividade e a anistia dos ilícitos não excluem o dever de reparação dos danos; do
repúdio ao fato consumado no direito ambiental; da imprescritibilidade da pretensão reparatória de
danos ao meio ambiente; e da imputação da responsabilidade objetiva e propter rem, permite que se
conclua pela possibilidade de afastar, no caso concreto, os artigos 61-A e 61-B, do Código Florestal, a
fim de garantir a plena reparação dos danos ambientais associados ao deficit de vegetação nas áreas
de preservação permanente. Será preciso apenas demonstrar a ocorrência do agravamento dos danos
existentes, ou o desencadeamento de novos danos ambientais.
Agrega-se ainda outro argumento, qual seja a complexidade(Johnson, 2011) do dano
ambiental, como realidade dinâmica, cuja causa pode residir no deficit de áreas de preservação
permanente íntegras, que cumpram plenamente as respectivas funções ecossistêmicas. A
compreensão dos danos ambientais a partir do pensamento complexo permite compreender a sua
multidimensionalidade(Morin, 2000), identificando-se a sua gravidade em curto, médio e longo
prazos, e também conforme as escalas espaciais, ultrapassando-se a percepção linear das relações de
causa e efeito(Martins, 2018, p. 59). Nessa perspectiva, o dano ambiental deve ser considerado como
uma realidade dinâmica, cuja face visível pode ocultar uma rede de elementos também impactados
que se relacionam e combinam, produzindo novas consequências, suscetíveis de se revelarem ao
longo do tempo e em espaços geográficos progressivamente ampliados.
Por exemplo, a supressão de espécies da flora nativa localizada em APP não atinge apenas a
vegetação, mas toda a gama de serviços ecossistêmicos prestados por esse específico componente
do ecossistema degradado (Westman, 1977) . Para Westman, os ecossistemas desempenham
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“gratuitamente” uma série de serviços ecossistêmicos, que permitem ao ser humano obter alimentos,
fibras, energia e todos os recursos necessários à sua sobrevivência. Portanto, quando ocorre a
degradação dos sistemas naturais, há impactos diretos e indiretos nas diversas atividades humanas,
com variações em seu bem-estar, o que suscita a necessidade de avaliação das oportunidades
de conservação e de restauração dos ecossistemas naturais, a fim de que objetivos voltados à
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maximização de bem-estar sejam atingidos . Em 2010, a relevância dos serviços ecossistêmicos foi
87 Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica, conforme se depreende do Enunciado 2, da
Edição 119 – Responsabilidade por dano ambiental, da Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça.
88 Westman (1977) é um ecologista norte-americano, que, nesse artigo, procura evidenciar que a natureza desempenha
funções ecossistêmicas relevantes para o bem estar humano, para a economia e para o desenvolvimento da sociedade em geral,
muito embora tais funções não sejam suscetíveis de serem precificadas e contabilizadas quando da tomada de decisões. Já nos
anos 1970, Westman apontava para o papel dos ecossistemas no equilíbrio das radiações e para a regulação do clima global,
sinalizando a relação causal não linear entre a supressão da vegetação, com subsequentes alterações na fixação de CO , na
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liberação de vapor d’água e no fluxo de radiação, e as alterações climáticas.
89 Em 2005, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, elaborada pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente e
Desenvolvimento, identificou os serviços ecossistêmicos desempenhados pelos ambientes naturais, com vistas à informação de
políticas públicas. O relatório está disponível em: <https://www.millenniumassessment.org/en/index.html>. Antes desse estudo,
Robert Constanza, em artigo publicado na revista Nature, estimou o valor econômico de 17 serviços ecossistêmicos para 16
biomas (Constanza et al., 1997).
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