Page 134 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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da proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), pois se reconhece a interconexão entre
a qualidade dos sistemas naturais e a tutela da saúde e da vida de humanos e não humanos. Ao
se proteger os atributos dos sistemas naturais, garante-se a manutenção das bases materiais que
proporcionam a vida neste planeta.
O direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado impõe-se como um
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princípio jurídico vinculante , que atua como vetor axiológico na modelagem de políticas públicas
e na conformação conceitual de outros direitos, tais como o direito ao livre exercício de atividades
econômicas e à fruição de direitos de propriedade, dando origem a expressões como “função
social e ambiental da propriedade” e “desenvolvimento ecologicamente sustentável”. A partir dele,
estruturou-se o Direito Ambiental, que é composto não apenas por regras e princípios jurídicos, mas
pela jurisprudência que traduz o pensamento predominante, no contexto de uma cultura jurídica
compartilhada na sociedade. Portanto, a interpretação sobre os efeitos do posicionamento do
STF, relativamente ao dever de recomposição de APPs, deve ser feita a partir da noção de sistema
jurídico, de tal forma a buscar um sentido de coerência e de unidade para esse sistema, evitando-se
contradições(Freitas, 2010, p. 34; Platjouw, 2016, p. 190) e tendo em vista o conjunto de construções
jurisprudenciais historicamente elaboradas, sob uma abordagem que reconheça a complexidade das
relações sociais.
Não se pretende aqui retomar as críticas ao Código Florestal, que foram objeto das ações
diretas de constitucionalidade e, consequentemente, enfrentadas pelo Supremo. O que se quer
evidenciar é a importância da compatibilização desse entendimento com outras construções jurídicas
estruturantes do Direito Ambiental, tais como o princípio da reparação integral do dano ambiental, a
imputação da responsabilidade por obrigações propter rem, a imprescritibilidade da pretensão para
reparação dos danos ambientais e a vedação do reconhecimento de fato consumado e de direito
adquirido à manutenção de situações lesivas ao meio ambiente.
A posição do Supremo Tribunal Federal em relação às áreas rurais consolidadas em áreas
de preservação permanente – artigos 61-A e 61-B da Lei 12.651/2012
O STF anistiou as ocupações e atividades agrossilvipastoris em áreas rurais consolidadas,
desde que preexistentes a 22 de julho de 2008, ao considerar constitucionais os artigos 7º,
parágrafo 3º; 17, caput e parágrafo 3º; 8º, parágrafo 2º; 61-A; 61-B; 61-C; 63; e 67 do Código
Florestal. O argumento utilizado foi “que o legislador tem o dever de promover transições razoáveis
e estabilizar situações jurídicas consolidadas pela ação do tempo ao edificar novos marcos
legislativos”. Nesse contexto, o Código Florestal teria estabelecido “uma espécie de ‘novo marco zero
na gestão ambiental do país’”.
Especificamente ao tratar dos artigos 61-A e 61-B, que tratam das APPs, a Corte entendeu que o
estabelecimento de critérios para sua recomposição, de acordo com o tamanho do imóvel, é legítimo,
assinalando que “a própria lei prevê mecanismos para que os órgãos ambientais competentes realizem
a adequação dos critérios de recomposição para a realidade de cada nicho ecológico”. Dentre os
fundamentos utilizados para a declaração de constitucionalidade desses dispositivos, a Ministra Carmen
80 A respeito, ver Canotilho e Leite (2007) e Sarlet e Fensterseifer (2007).
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