Page 133 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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degradadas, o que é imposto para todos que intervêm ilicitamente nessas áreas protegidas
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após o marco legal de 22 de julho de 2008 .
No entanto, tendo em vista o caráter complexo dos danos ambientais localizados em uma
bacia hidrográfica, que tendem a se agravar progressivamente, com a afetação de diversos serviços
ecossistêmicos que dependem do equilíbrio das interações entre os elementos bióticos e abióticos
dos sistemas naturais, é possível que, em determinado caso concreto, a remoção de novos danos
ambientais, denominada por Mirra (2002) de “supressão do fato lesivo”, dependa da recomposição de
APPs degradadas pela presença de ocupações consolidadas antes de 22 de julho de 2008, e, nesse
caso, sustenta-se a possibilidade de exigência de restauração integral mesmo para áreas consolidadas.
Por exemplo, processos erosivos que comprometam a qualidade do solo e, consequentemente,
o equilíbrio de sistemas naturais poderão demandar metas mais ambiciosas de restauração natural do
que aquelas previstas, genericamente, no artigo 61-A, pois as metragens fixadas nesse dispositivo, a
serem recompostas, poderão se revelar, em concreto, insuficientes para conter a erosão e recuperar os
atributos ambientais ameaçados.
Ainda, o fenômeno das mudanças climáticas está intensificando a ocorrência de desastres
naturais, provocados por eventos climáticos extremos, o que compromete a sustentabilidade das
sociedades. Enchentes, inundações e formação de ilhas de calor são algumas das consequências das
mudanças climáticas que podem ser mitigadas através da recomposição de áreas de preservação
permanente (Geneletti, Cortinovis, Zardo e Blal, 2019).
Diante disso, propõe-se como questão de pesquisa neste estudo a possibilidade de, a partir
da interpretação sistemática do direito, exigir a integral recuperação das APPs nas quais se localizam
atividades agrossilvipastoris consolidadas, afastando-se o hipotético permissivo dos artigos 61-A e 61-B
da Lei 12.651/2012, com vistas à reparação integral dos renovados danos ambientais, que se revelam
agravados justamente em virtude do deficit de áreas ambientalmente preservadas na bacia hidrográfica.
A coerência e a unidade do sistema jurídico
Um aspecto inicial a ser enfrentado diz com a compatibilização do atual entendimento do
Supremo Tribunal Federal, relativamente à constitucionalidade dos dispositivos da Lei 12.651/2012,
com o contexto mais amplo do sistema jurídico brasileiro. É preciso compreender que o julgamento
que reconheceu a constitucionalidade da redução do dever de recomposição das APPs onde
existissem atividades rurais consolidadas integra um conjunto de pré-compreensões que foram sendo
elaboradas ao longo de muitos anos, e que tem por referência, tanto em termos dogmáticos como
valorativos, o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225,
caput, da Constituição Federal de 1988.
A importância do equilíbrio ecológico, da preservação e da restauração dos sistemas
ecológicos essenciais é objeto de destaque na Constituição (art. 225, § 1º, I), ao lado do princípio
79 O artigo 7º, parágrafo primeiro, da Lei 12.651/2012 trata do regime de proteção das áreas de preservação permanente,
afirmando que “tendo ocorrido supressão de vegetação situada em área de preservação permanente, o proprietário da área,
possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados
previstos nesta lei”. O parágrafo segundo do mesmo dispositivo afirma que essa obrigação é propter rem e o parágrafo terceiro
veda a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação para supressões não autorizadas após 22 de julho de 2008,
enquanto não cumpridas as obrigações do parágrafo primeiro.
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