Page 61 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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REFLEXÕES FINAIS
A história apresentada neste estudo cobriu um período de cinco séculos de evolução da
legislação florestal brasileira, oferecendo uma perspectiva longitudinal. Tal perspectiva não é
relevante somente para conhecer o passado, mas para compreender melhor a situação no presente
e enxergar caminhos mais eficientes para a produção rural sustentável e a conservação das florestas.
Olhando o passado, é possível notar que os esforços de conservar as florestas brasileiras não se
originaram com o surgimento do ambientalismo, desde a década de 1960, mas surgiram durante
a colonização. Assim, podemos fazer reflexões altamente importante sobre as polêmicas políticas
que circulam nos debates atuais. Aqui destacamos três lições implícitas na história da legislação
florestal brasileira que enfatizam (1) as diferentes motivações no tempo para conservação flores-
tal, (2) a desconexão e, consequentemente, os conflitos perenes entre interesse social e interesse
individual, e (3) a sensibilidade a tendências exteriores do país.
Ao longo da história, as motivações para conservar as florestas brasileiras mudaram com
cada alteração de paradigma (veja Tabela 3). A proteção do pau-brasil e de outras madeiras nobres
de alto valor econômico durante a colonização do Brasil foi motivada principalmente pela sua
relevância para a metrópole no continente europeu, reservando-as para a sua indústria naval. Essas
proteções se mantiveram após a Proclamação da Independência do Brasil e durante a Primeira
República, apesar de os motivos terem perdido sua relevância e, portanto, sua eficácia perante o
então incipiente liberalismo econômico. No século XIX, as florestas começam a ser concebidas
como fornecedoras de chuvas e protetoras dos rios e solos, cuja salubridade era (e continua sendo)
imprescindível para sustentar o surgimento da produção agropecuária prevalente na época. Ao
mesmo tempo, esse modelo de expansão da agropecuária passou a ser questionado como sendo
predatório e primitivo, desconsiderando fundamentos da natureza. Por isso, a regulação do
uso da terra e a proteção das florestas, consolidadas no Código Florestal de 1934, funcionaram
como garantia dessa salubridade natural e, portanto, uma produção madeireira e agropecuária
sustentável a longo prazo. Essa visão perdurou durante o regime militar, que elevou a proteção
florestal a novos patamares através do novo Código Florestal de 1965 e, mediante a Constituição
Federal de 1967, ancorou a conservação florestal por proprietários privados no conceito da função
social da propriedade. Ao mesmo tempo, a maior parte das normas não saíram do papel em
consequência tanto do poder da elite rural como também pela percepção equivocada, difundida
pela Revolução Verde (i.e. introdução de insumos sintéticos) e com o aumento da produtividade,
de que os limites impostos pela natureza haviam sido superados.
Com o surgimento do ambientalismo no período 1960-1980 e seus efeitos na legislação
florestal nas décadas seguintes, pôde-se observar uma evolução paradoxal. Por um lado, as
motivações para conservar as florestas brasileiras não somente continuaram sendo fundamen-
tadas em uma perspectiva produtivista, mas foram amplamente expandidas e diversificadas
com o conceito de serviços ecossistêmicos, juntamente com a luta pelos direitos dos povos
da floresta. A proteção da biodiversidade, da polinização, da água e das formas de vida das
populações tradicionais abarcou rapidamente a ênfase no papel das florestas para esforços de
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