Page 58 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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viabilidade do mercado sob diferentes opções regulatórias (como a restrição ao estado/bioma
ou só ao bioma). O estudo chegou à conclusão de que, ao contrário do que se supunha
até então, havia um problema de excesso de oferta de CRAs, não de falta dessas para a
compensação de Reserva Legal. Desse modo, o estudo propôs também que as cotas deve-
riam ser utilizadas além da compensação, servindo como infraestrutura para programas de
pagamento de serviços ambientais(Rajão e Soares-Filho, 2015). A ideia do uso da CRA para
outras finalidades ganhou espaço nas discussões feitas entre SFB, Observatório do Código
Florestal e representantes do agronegócio a partir de 2015. Porém, somente em 2018, em
um dos últimos atos do governo de Michel Temer, o Ministério do Meio Ambiente publicou
o Decreto nº 9.640, de 27 de dezembro de 2018, regulamentando o mercado de CRA.
Por um lado, a regulamentação reconhece que as CRAs podem ser utilizadas para a remu-
neração de outros serviços ambientais; por outro, acaba por reduzir ainda mais a adicionalidade
ambiental das cotas. A norma estabelece que a compra de uma cota para compensação “não constitui
pagamento pela adicionalidade ambiental decorrente das atividades de manutenção das áreas
vinculadas à CRA e não afeta a elegibilidade dessas áreas para outros pagamentos ou incentivos
devidos por serviços ambientais” (§ 9º do art. 19). Desse modo, o decreto permite que a mesma
CRA seja revendida para outros usos (i.e. Pagamento de Serviços Ambientais (PSA) de carbono,
biodiversidade, etc.), sem que seja garantida uma adicionalidade ambiental nessa revenda, inflando
um mercado que já sofre com excesso de oferta e falta de demanda(van der Hoff e Rajão, 2020).
Além disso, a norma estipulou um sistema excessivamente burocrático, sem gerar maior controle
ambiental sobre a área objeto da CRA, dificultando o ingresso de diversos públicos no mercado,
principalmente pequenos produtores, assentados, povos e comunidades tradicionais. A norma
possui ainda fragilidades relacionadas a conflitos de competência entre estados e União e não
confere garantias suficientes ao comprador para que opte por esse mecanismo de compensação
de Reserva Legal. Soma-se a isso o julgamento do STF que, ao estabelecer a necessidade de
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“identidade ecológica” entre o imóvel com deficit de Reserva Legal e a CRA que o compensaria,
trouxe uma necessidade de definição jurídica e científica do termo, ainda não enfrentada.
Desmatamento crescente e o desmonte
da política ambiental brasileira
A realidade vivida nos anos pós-aprovação do novo Código Florestal está distante do
“fim do desmatamento” anunciado em publicações realizadas no fim dos anos 2000 (Nepstad
et al., 2009). Os atrasos na implementação e as constantes demonstrações de força daqueles
que se negam a cumprir a lei, com as constantes prorrogações de prazo, contribuem para o
aumento do desmatamento, observado a partir de 2012. Assim, a taxa de desmatamento na
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Amazônia, calculada pelo Inpe, saltou de 4.571 km em 2012 para 10 mil km em 2019,
34 Conforme citado acima, foram interpostos embargos de declaração com vista a esclarecer esse ponto do acórdão do
STF. O acórdão permite interpretar que a identidade ecológica somente recai sobre a CRA, e não diz respeito a outros
instrumentos, como a doação de imóveis em Unidades de Conservação pendentes de regularização fundiária e servidão.
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