Page 64 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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A perda de prioridade da conservação florestal no âmbito da política federal está vinculada
          a um segundo fenômeno, a falta de conexão entre interesse social e interesse individual. Apesar
          de esse fenômeno estar se manifestando mais fortemente nas últimas décadas, ele esteve sempre
          presente ao longo da história da legislação florestal brasileira.
               No período colonial do Brasil as leis florestais não foram cumpridas pelas poderosas elites
          agrícolas. Durante o Império até a Primeira República, o poder dessas elites rurais se intensificou,
          acompanhado de um gradual desmonte da legislação florestal e de descentralização do poder inspirada
          pelo liberalismo econômico. Com a Era Vargas e o regime militar, o poder político ficou cada vez
          mais centralizado, o que possibilitou a promoção de agendas modernas, baseadas na recomendação
          de especialistas, embora com o balanço negativo dos incentivos à colonização da Amazônia.
               Até 2006, o contexto político era mais favorável para avançar os interesses ambientalistas,
          o que levou ao consequente surgimento de leis e políticas ambientais mais avançadas e alinha-
          das com o desenvolvimento sustentável. Os efeitos mais imediatos dessas políticas ambientais
          materializaram-se entre 2004 e 2012, quando a taxa de desmatamento entrou em uma queda
          sem precedentes. Contudo, como o presente estudo exaustivamente apresentou, demorou pouco
          para que os interesses do setor produtivo se manifestassem mais fortemente nas arenas políticas,
          resultando em uma enorme flexibilização da principal norma jurídica florestal e, como parte
          disso, a erosão do conceito da função social das propriedades privadas.
               Tanto a flexibilização do Código Florestal em 2012 quanto o desmonte da política am-
          biental nos anos seguintes são fruto de um contexto histórico em que os interesses individuais
          nunca cederam completamente às imposições da legislação florestal.
               Algumas tendências recentes podem oferecer uma perspectiva mais otimista. Surge uma
          ideia ainda incipiente de que o produtor rural pode ser remunerado pelos serviços ambientais
          prestados pela manutenção da vegetação natural. Essa possibilidade é refletida no mecanismo
          de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), cujo funcionamento ainda enseja muitas dúvidas. Mais
          recentemente, foi editada a Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que institui a Política Nacio-
          nal de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), dispondo de uma série de modalidades de
          remuneração. Ao mesmo tempo, é possível observar que a demanda por produtos agropecuários do
          Brasil está cada vez mais sensível a questões de sustentabilidade, o que vem inclusive impactando
          na implantação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, conforme destacado na
          seção anterior. O setor financeiro cada vez mais enfatiza o desinvestimento em produções que
          envolvam poluição ou degradação ambiental, bem como a ampliação dos investimentos em ativos
          com alinhamento Ambiental, Social e de Governança (ASG). Essas tendências inclusive indicam
          que o próprio conceito de “produção agrícola” pode ser expandido para que inclua atividades de
          conservação florestal.
               Uma terceira e última lição da longa história da legislação florestal brasileira é a sua susce-
          tibilidade, ainda que indireta, a tendências, perspectivas e movimentos externos. Evidentemente,
          as primeiras leis florestais do Brasil foram espelhadas nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e
          Filipinas, utilizadas em Portugal, que por sua vez possuíam influência dos direitos romano, ca-
          nônico e ibérico, transferidas para o contexto brasileiro. Da mesma forma, os fundamentos para
          o Código Florestal de 1934 e o de 1965 foram inspirados por debates na Europa e nos Estados
          Unidos, locais onde a conservação florestal já se iniciara algumas décadas antes.




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