Page 19 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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como formulado por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, publicado em 1936. Era
justamente a essa elite autoritária e agrária que a norma impunha obrigações.
Dean se pergunta “por que o governo fazia repetidos esforços retóricos para salvar seus
remanescentes?” (1996, p. 299).
Um dos motivos parece ser o de que estava crescendo a consciência entre os servidores
públicos de que a conservação, e mesmo a preservação da natureza era uma das
atribuições de um Estado digno. Tal como muitas outras novidades, a ideia despontava
no horizonte vinda dos mesmos países que também forneciam o modelo de
desenvolvimento econômico rumo ao qual o Estado ao mesmo tempo se empenhava.
Conservação e preservação eram duas outras atividades nas quais o Estado se engajava
para dar crédito à afirmação de que, de fato, era um Estado. Em grande parte, essas
medidas, como muitas outras que o Estado empreendia, eram, como dizia um ditado
tradicional, “para inglês ver” [...]. E as evidências mais flagrantes de atraso teriam de ser
camufladas ou negadas, para que o senso de superioridade dos estrangeiros não se
tornasse hostil e intervencionista [sic] ou, ainda pior, indiferente. (Dean, 1996, p. 299)
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Aplicando-se as discussões tecidas por Roberto Schwarz no ensaio As ideias fora do lugar , nas
quais se analisa o contexto histórico para a formulação da crítica literária, é possível afirmar que o
Decreto n 23.793, de 1934, era uma norma fora do lugar? Apesar da pouca eficácia dessa lei apontar
o
na direção de uma resposta afirmativa, não se pode menosprezar um aspecto desse argumento: o
poder simbólico de tal legislação tinha advindo do seu aspecto de “modernizadora” e, provavelmente,
foi um dos fatores que a fez ser aprovada pelos legisladores.
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Se, por um lado, for correto que em tal legislação apareçam posições que podem ser
classificadas como preservacionistas (que tinham aspectos para além da busca de maximização da
produção), por outro era uma legislação profundamente marcada pelo “produtivismo” (Carvalho,
E. B, 2008, p. 132), que visava a regular as relações humanas com florestas e rios, entre outros. O
que, todavia, não modifica o fato de tal legislação ter sido amplamente ignorada e de terem faltado
recursos e vontade para efetivar grande parte dos seus preceitos. Contudo, não foi uma legislação
inócua, pois, quando analisamos para além da letra fria da lei, percebemos como diferentes grupos
sociais e instituições, dentro e fora do Estado, se apropriaram da legislação florestal, em especial para a
gestão florestal e a disputa por apropriação de recursos naturais. 11
9 Schwarz, 1977 (2012). Importante citar seus trechos iniciais: “Toda ciência tem princípios, de que deriva o seu sistema. Um
dos princípios da Economia Política é o trabalho livre. Ora, no Brasil domina o fato ‘impolítico e abominável’ da escravidão. [...]
Este argumento – resumo de um panfleto liberal, contemporâneo de Machado de Assis – põe fora o Brasil do sistema da ciência.
Estávamos aquém da realidade a que esta se refere; éramos antes um fato moral, ‘impolítico e abominável’.”
10 Outros defenderiam que a legislação florestal de 1934 é uma ideia “no lugar”, posto que está de acordo com o uso da lei na
cultura política brasileira (Carvalho, E. B, 2008, p. 161).
11 Por exemplo, no Paraná, em meados do século XX, o Código Florestal foi utilizado pelo governo estadual para excluir
camponeses do acesso à terra, enquanto permitia uma ampla especulação imobiliária; ao mesmo tempo em que a legislação florestal
era usada por lavradores para justificar a sua posse e, portanto, seu direito ao acesso à terra (Carvalho, E. B, 2016. p. 417-442).
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