Page 17 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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floresta deveria existir, não poderia mais ser deixada nas mãos da iniciativa privada e, sim, deveria
            ser regulada pelo Estado. Sendo assim, a legislação aprovada nesse período:


                             negava o direito absoluto da propriedade, proibindo, mesmo em propriedades
                             privadas, o corte de árvores ao longo de cursos d’água, árvores que abrigavam espé-
                             cies raras ou que protegiam mananciais. O Código de Águas, no mesmo sentido,
                             retirava dos proprietários o controle da água que fluísse através de suas propriedades.
                             Foi uma rejeição histórica do liberalismo e uma reversão para o controle estatal,
                             abafado desde os primeiros dias do império, mas agora revivido sob a bandeira de
                             um nacionalismo modernizante e tecnocrata (Dean, 1996, p. 275-6).


                  Todavia, o primeiro Código Florestal não era tão rigoroso com a propriedade privada
            como aparentava à primeira vista. Seu foco era manter a cobertura florestal e não exatamente
            as florestas. Isso se expressa na denominação de “modelo” às florestas artificiais, que hoje o
            movimento ambiental chamaria de “desertos verdes”. Ou, ainda, no tratamento especial dado à
            Mata de Araucária, com grande presença no Rio Grande do Sul, em Santa Cataria e no Paraná,
            identificadas, então, como o único tipo florestal “homogêneo”, e de maior lucratividade do
            Brasil. Nesses casos, o primeiro código previa que “o corte far-se-á de forma a não abrir clareiras
            na massa florestal” , ou seja, “não admitia, portanto, o corte raso. E no parágrafo único ficava
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            estabelecida a inadmissibilidade do uso das terras das florestas homogêneas para outro que não
            o do reflorestamento, significando na prática que a área da floresta homogênea não poderia ser
            reduzida” (Bohn, 1990, p. 139-140).
                  As demais áreas florestais do Brasil, que são, na maioria, heterogêneas, foram classificadas,
            no Código Florestal de 1934, como de “rendimento”. Como se reconhecia que a exploração da
            madeira dessas áreas era relativamente pouco rentável, permitia-se o corte raso de até 75% delas,
            tendo em mente a sua substituição por atividades agropecuárias (Pereira, O. D, 1950, p.140). Além
            disso, mesmo nas áreas protegidas pelo Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, era permitido
            o desmate caso o proprietário se comprometesse a substituir a cobertura vegetal por florestas homo-
            gêneas plantadas. Sendo assim, enquanto as florestas homogêneas deveriam ser “substituídas por
            mudas da mesma espécie ou de outra essência florestal julgada preferível”, na floresta heterogênea
            “a substituição poderá ser feita por espécie diferente das abatidas, visando a homogeneidade da
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            floresta futura e a melhoria da composição florística” (grifo nosso) . A floresta melhorada era a floresta
            controlada e produtiva, produzida pelos conhecimentos científicos da silvicultura.
                  O primeiro código permitia que um proprietário cortasse madeiras valiosas dentro de
            florestas heterogêneas, contanto que ele replantasse a área ao deixar nascer capoeira em seu lugar.
            Os tribunais muitas vezes permitiram a venda de frações da terra desenvencilhadas das obriga-
            ções de manutenção de 25% de floresta. Desse modo, um proprietário poderia vender sua área
            florestal (25% do imóvel) para um terceiro, que por sua vez poderia desmatar 75% de sua área





            7   Brasil, Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, artigo 49.
            8   Brasil. Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, artigo 50.



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