Page 15 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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Tal crítica não logrou influenciar a formação de uma legislação florestal mais restritiva no
período imperial (1822-1889), sendo que durante a Primeira República (1889-1930) políticas
liberais enfraqueceram ainda mais a legislação florestal. Inspirada no modelo norte-americano
de descentralização, a Constituição de 1891 rompeu a ordem política unitária e centralizadora
e conferiu autonomia às províncias. Nesse período, diversos fatores contribuíram para o en-
fraquecimento das leis florestais: a transferência do domínio das terras devolutas aos governos
estaduais; a transformação do meio rural, com os novos investimentos em beneficiamento da
produção; estruturas de transporte ampliadas; bancos e melhorias urbanas em geral (Costa,
1999, p. 14). Nesse cenário, a gestão das florestas tornou-se ainda mais fragmentada e vinculada
às elites locais.
Titulares das terras devolutas e com poderes legislativos, alguns estados regulamentaram
o uso das florestas de modo mais restritivo que o governo federal. O estado do Paraná, por
o
exemplo, criou um Código Florestal. A Lei n 706, de 1 de abril de 1907, já estabelecia como
o
de “utilidade pública” as “florestas protetoras”, conceituando-as como aquelas que influem:
sobre a manutenção das terras nas montanhas e encostas; sobre a defesa do solo contra os
transbordamentos de rios, córregos e torrentes; sobre a existência e a conservação das nascentes
e dos cursos de água; e “sobre a hygiene [sic] e salubridade públicas”, as quais eram proibidas de
ser convertidas em “campos”, salvo para a “exploração usual” ou com prévio “consentimento do
Governo”. Essa restrição tem, por sua vez, dois objetivos. Em primeiro lugar, ela busca melhorar
a produção madeireira ao incentivar a substituição de floresta nativa, áreas de campos, prados
ou pastagem por florestas “de madeira de lei”, autorizando o poder público a conceder prêmios
a tais proprietários, além de definir o período de corte e o diâmetro mínimo das árvores. Em
segundo lugar, a conservação da floresta era postulada como um fator de “defeza [sic] do solo
e um dos principais elementos da salubridade pública” (Martins, 1944, p. 103 e 104).
Em plena belle époque, intelectuais maravilhados com a capacidade técnica humana,
materializada nas máquinas que invadiam seu cotidiano, podiam acompanhar o deslumbre
com o “progresso” e pensar o ambiente como algo simples, em que a ingerência humana
era quase ilimitada. Qualquer norma instituída sob esse pensamento reduziria a natureza à
dimensão da produção, seja de madeira, seja do que se chama hoje de serviços ambientais,
como a proteção do solo . Assim, mesmo sendo pouco restritivo e voltado para a racionali-
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zação do uso econômico da terra, segundo Romário Martins, o Código Florestal paranaense
“ficou constituindo mera decoração da legislação” ao manter-se subjugado aos interesses das
elites locais (Martins, 1944, p. 101).
6 Se nesse momento Martins era capaz de fazer grandes elogios aos madeireiros paranaenses, no final de sua vida, em
1944, ele já tecia severas críticas à “pseudo indústria das serrarias” por sua devastação florestal, em uma retórica que lembra os
catastrofistas ambientais do terceiro quartel do século XX. Ver: CARVALHO, M. M. X, 2006. Um bom exemplo de como a
“crítica ambiental” desloca lentamente, no século XX, a causa dos “problemas ambientais” e consequentemente suas críticas do
“atraso” (as populações ditas hoje tradicionais e as práticas de gestão comunitárias) para o “progresso” (a indústria e o modo de
vida moderno).
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