Page 11 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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I - A LEGISLAÇÃO FLORESTAL EM UMA

                  SOCIEDADE DE ANTIGO REGIME (1500-1822)







                  Os antecedentes da legislação florestal em solo brasileiro podem ser identificados em formas
            de direito diversos que antecedem até mesmo o início da colonização europeia do continente
            americano. Em muitas sociedades ameríndias, os direitos consuetudinários têm um caráter mítico
            que regula a derrubada das florestas ao atribuí-las um sentido religioso profundo. Desse modo, a
            gestão da relação com o mundo natural implica algum regime coletivo de apropriação da floresta
            (Berkes, 2005; Diegues, 2000). De modo similar, antes de chegarem à América, os portugueses
            já contavam com uma legislação florestal fragmentada. Por exemplo, as Ordenações Afonsinas
            (1446) foram uma compilação de leis, pautadas no Direito Romano e no Direito Canônico,
            que estabeleciam punição para aquele que “acinte cortar arvores alheas, que dem fruito [sic]”.
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            Menos de um século mais tarde, foram instituídas as Ordenações Manuelinas (1514), seguidas
            pelas Ordenações Filipinas (1603), realizadas no contexto da União Ibérica e confirmadas, após a
            independência de Portugal, por Dom João IV. Esta última proibia o corte de certas árvores, como
            “Soveiro, Carvalho, Ensinho” “ao longo do Tejo”.  Com a chegada dos portugueses ao Brasil, a
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            legislação florestal foi transferida em grande parte para a nova colônia.
                  Tal conjunto de normas jurídicas são citados como os embriões jurídicos da tutela de
            alguns recursos naturais, em um contexto em que, contudo, o poder público atendia a interesses
            particulares e subalternos e no qual o ciclo econômico se caracterizava justamente pela exportação
            de madeiras e monoculturas (Milaré, 2020). As leis portuguesas surgiram para reverter um quadro
            de crescente falta de recursos florestais que afetava grande parte da Europa Ocidental desde o
            fim da Idade Média (Devy-Vareta, 1986). De modo similar, apesar de o Brasil ser abundante em
            recursos florestais, a legislação era importante para a proteção das chamadas “madeiras de lei”: um
            pequeno conjunto de espécies cuja exploração era estritamente regulada de modo a salvaguardar
            interesses comerciais (por exemplo, exportação do pau-brasil para tinturaria) e estratégicos (como
            madeira para construção de navios) (Hespanha, 2006). Finalmente, os recursos madeireiros eram
            essenciais para a construção e a manutenção dos engenhos e para o aquecimento das caldeiras
            que transformavam a cana no açúcar para exportação (Pádua, 2002).
                  Existe na historiografia do Brasil colonial uma controvérsia relativa à efetividade das
            leis na gestão dos recursos florestais. Miller defende a tese de que a legislação, ao estabelecer
            o monopólio real de certas árvores, levou a um maior desperdício de recurso, já que os pro-
            prietários supostamente preferiam queimar toda a mata a fim de liberar a terra para o uso
            agrícola, uma vez que lhes era vedado usar as madeiras de lei (Miller, 2000); desse modo, as




            2   Portugual. Ordenações Afonsinas. Livro 5, Título LVIII, n. 7
            3   Portugual. Ordenações Filipinas. Livro 5, Titulo LXXV.



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