Page 8 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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PRÓLOGO
Quando os primeiros europeus chegavam ao litoral do país atualmente conhecido como
Brasil, os relatos contavam das maravilhas da vegetação nativa até então desconhecida, mas cuja
impressão “edênica” hoje evoca o principal motivo de orgulho de ser brasileiro (Carvalho, 1998).
Ao longo da história do país, essa natureza também foi a base de diferentes ciclos econômicos.
Nos primeiros dois séculos da colonização, o pau-brasil (Paubrasilia echinata) foi fundamental
para sustentar a colônia até a descoberta das riquezas auríferas do subsolo no século XVIII.
Na primeira metade do século XX, a extração de látex (Hevea brasiliensis) no norte do país era
recurso fundamental para a indústria e o esforço bélico nas guerras mundiais, além de fomentar
o desenvolvimento econômico da região amazônica. A araucária (Araucaria augustifolia), no sul
do país, sustentou a indústria madeireira nacional, fazendo com que as exportações de madeira
superassem as importações a partir da Primeira Guerra Mundial. Desde a década de 1960, e mais
ainda a partir dos anos 1990, a vegetação nativa começou a ser apreciada pela capacidade de
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prover serviços ecossistêmicos. Principalmente a Amazônia foi reconhecida por seu importante
papel em regular o clima regional, com a manutenção da precipitação e a redução da temperatu-
ra, e o clima mundial, pela retenção de Gases de Efeito Estufa (GEE), bem como por sua vasta
diversidade biológica. Reconhecendo essa importância, a vegetação nativa foi admitida desde
o período colonial como um recurso natural fundamental, que merece a proteção do Estado.
A legislação florestal brasileira teve inicialmente como foco a conservação de recursos
naturais, como madeiras nobres, nutrientes do solo e água. Gradualmente, a legislação florestal
brasileira ganhou contornos ambientalistas, passando a considerar a vegetação nativa como “bem
de interesse comum”, cujos uso e proteção deveriam servir para garantir o bem-estar da população,
indo além do fornecimento de recursos naturais. Por outro lado, os efeitos dessa legislação florestal
foram limitados devido à sua concorrência com projetos de desenvolvimento regional. As proteções
jurídicas do pau-brasil e da araucária, por exemplo, não conseguiram evitar que, até meados dos
anos 1980, já houvesse desaparecido 93,2% da Mata Atlântica original (Fonseca, 1985).
Mais recentemente, a partir dos anos 1960, o desmatamento acelerado da Amazônia em
prol da expansão da produção florestal e agrícola tratava proteção florestal como um empecilho.
Essa tensão entre conservação da vegetação nativa e desenvolvimento regional se intensificou
no século XXI, com o fortalecimento político e econômico do agronegócio e a interseção do
desmatamento com questões de escala global.
O presente estudo tem como objetivo principal oferecer esclarecimentos sobre o desen-
volvimento da legislação florestal brasileira, desde as suas raízes na legislação portuguesa, no
século XV, até as mudanças recentes no Código Florestal e o desmonte das políticas de controle
do desmatamento durante o governo Bolsonaro. Ao traçar essa história, discutimos também os
1 Considera-se, neste livro, vegetação nativa e floresta como sinônimos, em linha com o Código Florestal de 1934, que se
aplicava a todas as formas de vegetação “de utilidade às terras que revestem”.
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