Page 14 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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II - INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E O EXPERIMENTO
LIBERAL DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1822-1930)
Depois da Proclamação da Independência do Brasil (1822), houve uma mudança
gradual das políticas públicas. A onda de legislação de inspiração liberal, que chegou à Amé-
rica Latina na segunda metade do século XIX, atingiu a legislação florestal brasileira, entre
outras áreas (Bethell, 2002). É possível notar um gradual desmonte da legislação florestal do
Brasil colonial, em que é dado o direito de mudar o uso do solo de sua propriedade de modo
irrestrito (Wainer, 1991). Isso não significou, porém, uma mudança substancial na prática,
visto que a descentralização e a desregulação serviram principalmente para dar legitimidade
a um antigo costume: “o controle das reservas florestais por parte dos potentados locais”
(Wainer, 1991, p. 347).
A fragilidade da legislação florestal perante os interesses rurais suscitara reações de
intelectuais desde o período do Império. Um dos principais defensores de uma legislação
florestal mais forte foi o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). Da mesma
forma que denunciava as crueldades da escravidão, José Bonifácio também argumentava
que “destruir matos virgens […] e sem causa, como até agora se tem praticado no Brasil, é
extravagância insofrível, crime horrendo e grande insulto feito à natureza” (Andrada e Silva,
1821, in Neves e Martins, 2011). Além da preocupação com as florestas enquanto fornece-
doras de madeiras nobres (cuja legislação perdurou até o final do século), os defensores das
leis florestais também enfatizavam a importância da conservação para o fornecimento de
água e a proteção dos solos. Essa posição é clara na argumentação feita pelo advogado João
Arruda, já no final da Primeira República, sobre a necessidade de leis florestais mais rígidas
para proteger os rios e evitar as secas: “[A] sorte do Sul será muito semelhante à do Norte, ou
à da Palestina, se continuar a devastação das matas como sistematicamente tem sido feita até
hoje” (Arruda, 1925). Por isso, foram propostos planos de modernização em uma legislação
sistemática que visava a solucionar os problemas ambientais causados, como então se pensava,
pelo atraso tecnológico e pela escravidão enquanto vetores de uma agropecuária predatória.
Intelectuais progressistas do século XIX estavam convencidos de que copiar o modelo agrícola
“moderno”, com máquinas, apropriação privada e individual da terra e trabalho assalariado,
iria solucionar os problemas ambientais então diagnosticados:
A grande panaceia para estabelecer a sanidade ambiental da economia brasileira, após
séculos de colonialismo predatório, estava na modernização tecnológica e operacional
do sistema produtivo e das instituições sociais. A destruição do ambiente natural
não era entendida como um “preço do progresso”, como na visão hoje dominante,
mas sim como um “preço do atraso”. (Pádua, 2002)
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