Page 71 - Uma Breve História da Legislação Florestal Brasileira
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Inconstitucionalidade que a Confederação Nacional das Indústrias moveu em face do então polêmico
            Decreto 99.547, de 1990, que a pretexto de regulamentar o parágrafo 4º do artigo 225, proibiu toda e
            qualquer supressão de vegetação de Mata Atlântica. Disse o ministro em seu despacho:


                             O que vejo é que, depois de afirmar no artigo 225 que o meio ambiente
                             ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, no §4º, o artigo 225
                             estabelece duas normas: a primeira, que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e os
                             demais setores territoriais, ali mencionados, são patrimônios nacionais. A dificuldade
                             de identificação do alcance dessa declaração de que a Mata Atlântica constitui
                             patrimônio nacional, a meu ver, com todas as vênias, não permite, malgrado a
                             autoridade do Professor Reale, que se diga apenas que a Constituição o disse em
                             sentido retórico ou figurado. Isso tem de ter um sentido jurídico. E, a meu ver, pelo
                             menos não é de descartar, à primeira vista, o que nesse debate já se aventou: que
                             o patrimônio nacional está aqui no sentido de objeto de uma proteção
                             excepcionalíssima da ordem jurídica (STF, 1997, p. 69, grifo nosso).


                  Se o ministro Sepúlveda está correto em seu exame parcialmente transcrito acima, para a proteção
            excepcionalíssima da ordem jurídica, a lei demandada pelo parágrafo 4º para disciplinar o uso e a proteção
            dos ecossistemas (ou biomas) ali explicitados deve estabelecer proteção ainda mais forte do que lei geral
            aplicável a todos os biomas ou ecossistemas, inclusive aqueles não previstos no parágrafo 4º do artigo
            225. Significa, pois, então, afirmar que leis mais protetivas aos biomas ali previstos devem ser estabelecidas,
            considerando-se obviamente as especificidades de cada bioma. Exemplo de especificidade é a proteção
            especial do Pantanal. As figuras de lei geral (Código Florestal), Reserva Legal e Área de Preservação
            Permanente têm limitações para proteger adequada e efetivamente esse sensível bioma, formado por
            planícies extensas e sazonalmente inundáveis, que fogem às métricas previstas pela lei geral.
                  A integridade ecossistêmica (processo ecológico essencial e equilíbrio ecológico) do Pantanal
            é estritamente dependente do fluxo sazonal de água oriundo de suas cabeceiras e respectivas áreas de
            recarga de aquífero, mormente localizadas fora do próprio bioma, no seu entorno imediato, em áreas
            de transição com outro bioma, o Cerrado, na mesma Bacia do Alto Paraguai. Isso significa dizer que
            uma lei especial proteger o bioma Pantanal, nesse caso, deve necessariamente considerar a proteção e
            o interfluxo hídrico entre os distintos biomas. Da mesma forma a Lei de Proteção do Cerrado, seja ela o
            Código Florestal ou uma lei específica, deve necessariamente considerar a integridade do Pantanal, na sua
            área de transição e interfluxo hídrico.
                  Quero dizer com isso que o parágrafo 4º do artigo 225, ao afirmar que “A Floresta Amazônica
            brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio
            nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação
            do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”, está a afirmar que a lei específica a
            regulamentar a proteção e os usos sustentável de tais biomas deve considerar condições específicas
            e peculiares que assegurem a integridade de cada ecossistema. Portanto, deve ir além ou considerar
            aspectos peculiares de cada bioma ou ecossistema específico para viabilizar a integridade ecológica de tais
            biorregiões, ecossistemas ou biomas constitucionalmente definidos como “Patrimônio Nacional”.





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