Page 16 - REVISTA EXPRESSÃO 2023
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ENTREVISTA
o planeta se tornar praticamente inabitável. E
esse risco existe, a ciência mostra com clareza.
Por isso que eu considero o maior desafio da
humanidade: não podemos deixar o planeta ul-
o
trapassar 1,5 C.
O senhor já apontava nos anos 1990 sobre
o risco de chegar a um ponto de não retorno
diante do avanço do desmatamento na Ama-
zônia. Em que estágio estamos no momento?
À beira do precipício. Alguns cientistas inclusive
acham que o extremo sul da Amazônia, na tran-
Divulgação/Nasa sição para o cerrado, já passou desse ponto. Ali já
começou um processo de degradação completa
porque aumenta muito a mortalidade das árvores,
Imagem registrada por satélite aponta aquecimento do oceano o fogo começa a se espalhar pelo chão da floresta.
Pacífico com a chegada do El Niño
Há cientistas que julgam que aquele sul já passou.
Eu e vários outros cientistas ainda acreditamos
tos e muitos milhões de anos, desde quando não que é possível salvar a Amazônia.
existiam nem os nossos antepassados, antes de
Homo sapiens, Homo erectus, primatas. Para salvar a Amazônia, precisamos fazer duas
coisas simultânea e imediatamente. A primeira é
Nós evoluímos num clima muito diferente do zerar o desmatamento, a degradação e o fogo.
que ele pode vir a ser. Isso vai trazer um enorme Temos que educar muito os pecuaristas brasilei-
risco até mesmo para a sobrevivência humana ros a não usar mais fogo para a regeneração da
em grande escala. Nesse cenário terrível, no fi- pastagem degradada. Além disso, a extração sele-
nal do século, centenas de milhões de pessoas tiva de madeira, que é quase toda ilegal na Ama-
terão que se mudar para montanhas muito al- zônia, leva também a uma grande degradação e
tas, o topo dos Andes, dos Alpes. E o Ártico e a espalhamento do fogo. Ao mesmo tempo, pre-
Antártica vão ser lugares para se abrigar, porque cisamos ter sucesso no acordo de Paris, de não
lá as temperaturas, por mais que subam bastan- deixar a temperatura passar de 1,5° C.
te, ainda não atingirão esses limites fisiológicos
do corpo humano. Se não tivermos sucesso no Junto com isso, devemos criar na Amazônia
acordo de Paris, há risco de chegarmos a esse talvez o maior projeto de restauração florestal do
ponto, que a gente chama de ultrapassar os planeta. Nós chamamos esse projeto de Arcos da
pontos de não retorno. Restauração, que é esse arco do desmatamento
que vai do Oceano Atlântico até a Amazônia bo-
Se aquecermos muito os oceanos, o risco é liviana, passando pelo sul do Pará, norte de Mato
gigantesco. Tem tanto metano armazenado no Grosso, sul do Amazonas, Rondônia, Acre e a
fundo dos oceanos que vamos realmente fazer Amazônia boliviana. Essa área com maior risco,
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